Escuto os gritos que soltam até saliva, da boca do meu pai. Senti falta de parte (pequena parte) da minha infância, quando eu e ele, brincávamos de ninar minhas bonecas, e nos policiávamos para não falar alto dentro do quarto, 'se não, elas todas vão acordar', eu pedia. Talvez, nem ele se lembre disso. Acho que ao longo dos anos, os gritos foram tantos, que é realmente difícil, mas eu me lembrei daquelas cenas. Lembro do meu pai, bem mais humilde, sei que foi por pouco tempo, mas ele me viu brincar, correr, andar de bicicleta e sei como ele ficava feliz com isso. Mas logo, eu cresci um pouco mais, e pude entender as brigas, os motivos do gritos e dos machucados. Aos poucos, fui me fechando, num casulo que embora pequeno, era só meu, e era isso que importava. Acredito que meu pai nunca teve vontade de olhar bem fundo nos meus olhos. Ás vezes, acho que por medo, ou culpa. Ou porque nunca teve essa vontade mesmo. Talvez seja bobeira acreditar que sentiu culpa, ou prefeiriu me deixar crescer assim, solta, independente. Me via como uma menininha, eu sei. Sempre foi assim. Mas a menininha, nunca iria crescer? E do que a menininha gostava? Qual sua cor preferida? E a música? E a comida? Será que a menininha tinha amigos? Por que não tinha nenhum? Bem, acredito que nunca nem ousou questionar nada disso, tampouco respondeu à essas perguntas. Dói perceber que, já é tarde, e não tenho lá muitas forças, nem ânimo para mostrar quem fui e quem sou para meu pai. Mas o que anda me tirando da minha forma mais pacífica, é ver que me julga da forma que bem quer. O pai, que tentou ser companheiro no início, que me escutava enquanto eu conversava com minhas bonecas, hoje é autoritário, prepotente e preconceituoso. O amo, de verdade. Nunca deixou que faltasse nada dentro de casa, mas além do essencial, contávamos com doses de medo, receio e lembranças. Juro que não quero mais ser rancorosa, mas aquele olhar de culpa, que o que na verdade tenta é me culpar, aquilo dói muito. Disse que eu o estou matando, e que irá fazer tudo que ele quer. O que eu sinto, o que eu senti, o que vou sentir, bem, nunca é bem levado em conta. Dinheiro, dinheiro. Falta dinheiro por aqui. Mas parece que nossa vida é essa interminável busca pelo dito cujo. E a tal felicidade, que venha depois. Me desculpe, quem for contra, mas por hora, só vejo as coisas dessa forma. Não sei se vou ficar com a mesma pessoa a vida inteira, então, pra que tanto ódio? Pra que? Agradeço à Deus, ter pais tão preocupados com meu ensino, meus estudos. Mas peço à Ele, que faça meus pais verem o coração dos meus outros irmãos. Sei como tudo fica depois de alguns anos, quando não há mais tempo, nem mais onde recorrer para ver uma parte boa e sentir uma pitada de admiração. E tudo isso, não é mais desespero. Desespero, é o que eu sinto agora, quando não posso fazer mais nada, a não ser, cumprir ordens. Deve ser estranho, e sei que é culpa minha, escrever só as coisas ruins em meus pais. Mas quero muito, um dia, vir aqui e começar um texto, dizendo que meu paipercebeu que meu amor por uma mulher, não muda meu caráter.

Acho que as bonecas acordaram já faz tempo. E não, elas não conseguem mais dormir. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog