Chora baixinho no quarto ao lado. Dá pra ouvir as fungadas, devagar. Puxa, e o barulho fica cada vez mais alto. Dizia que estava infeliz, mais cedo, que sentia dores no corpo. Dores, que nunca passam. Cabeça, a pressão andava caindo. Os seios precisavam de cirurgia. As rugas traziam insônia. O cabelo, ah, o cabelo! Dizia que se sentia mal, deprimia o fato de não o ter escovado até aquele momento. Precisava dar um jeito no cabelo, nas unhas. E assim fez. Mas agora, está lá, sentada, comendo. Aposto que as lágrimas se misturam ao arroz, o cabelo se molha nas pontas, e as rugas virão com mais força. Ser mulher é mais do que isso, eu tenho dito. Eu tenho visto, tenho sentido, que ser mulher vai além do cabelo, das gravidezes, do marido cheio de mania resmungando do lado. Ô menina, já te disse isso. Tem aí uma vida tão boa, dessas que dá sim vontade de chorar. Mas que chore por coisa boa. Já não se sente só mulher, eu sei. Parece atrasada, andando devagar, as pernas não aguentam tanto, mas do salto ela não desce. E a cada dia que se sente pior, na manhã seguinte encontro uma maquiagem perfeita, o cabelo impecável, terminando de se ajeitar no banheiro. A cara fria, o sorriso extinto. E lá vai ela...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

I'm like a bird, Six Feet Under e os últimos 5 anos da minha vida.