O Teatro dos Vampiros by Legiao Urbana on Grooveshark




Voltando pra casa com um aperto estranho no peito, fiquei matutando, querendo saber o motivo. Faz tempo que não sinto isso, mesmo que seja normal, pra quem tanto vai e vem, uma hora rodeada de gente, outra hora sozinha de tudo. Daí, lembrei do meu vô. E de mais uma despedida dele. Todo domingo era assim. Quase todo. E o vô hoje parece tão devagar... e o ruim é perceber que todo mundo continua se movimentando, sem perceber. Ele cantava umas músicas estranhas, que parecia inventar na hora em que a gente chegava em casa. Me rodava pela mão, chamando de zulunga, como se os netos fossem onomatopeias ambulantes. Nas férias, ele via a gente chegar, todos os netos juntos e confesso: sentia até medo pela bagunça. O vô sorria e no outro dia, tinha refrigerante no almoço. Tinha pão o dia todo e o café dele era sempre o mais doce do mundo. Melava. Andava o mundo de bicicleta ajudando minha vó nas vendas de Avon desde que eu me entendo por gente. E parava de bar em bar, firmando sua popularidade com doses de cachaça. Chegava em casa e escutava sermão de vó. "Bebi nada não Anésia..." E um dia curiosa, por não entender como ela conseguia saber que ele bebia, falei: Vó, mas eu nunca vi vô bêbado! - Ela soltou uma gargalhada. "Você nunca viu ele sem beber minha filha." A partir daí, a gente brincava, que vô não ficava tonto... a cachaça que ficava "Zé". É o Zé. Que tinha conta na mercearia da rua de cima, e que a gente sempre podia pegar o que quisesse, se falasse com ele antes. Mas daí a ver no caderninho de contas, quem era o Zé... demorava. Zé cabelim? Picapau? Bichinho? Eu nunca acertava. Nem minha tia, que era quem convencia ele de que ficaria mais bonito se pintasse o cabelo. E de tempos em tempos, ele errava a cor da tinta e saía de casa com a cabeça vermelha, ruivo que nem estrangeiro. Pra mim, sempre foi tudo tão normal. Minha vó grita Zé, o cara do jogo do bicho chama por Bichinho e pra mim é só o Vô. Que agora passa a maior parte do tempo deitado na poltrona que ganhou de vó, vendo os tantos canais que meu pai comprou pra ele. E que todo domingo que eu tenho que vir embora, logo eu que não gosto muito de despedidas, fico escutando ele resmungar: "Tá indo embora pra onde?" - Belo Horizonte vô, amanhã tenho aula. - "Mas já? Nossa minha filha...". Cheguei vô. A gente cresce e sai correndo do nada, de tudo, com um monte de motivos. O que dói é ver seu chinelo ficando cada vez mais devagar e escutar do senhor quando entro em casa e pergunto se tá bem: "Ah minha filha. Tô mais pra lá, do que pra cá."

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