Sinto saudades de tudo que ela me trouxe um dia. Não que eu tenha perdido, muito pelo contrário. Aquela cabeça cheia de cachos incontroláveis assim como o coração, me acrescentou tanto que sinto falta de ouvir suas histórias e seus conselhos. Aline é bem mais do que uma mulher feminista e com um discurso firme sobre odiar a parte provinciana da sociedade. Tia Aline, porque assim eu cresci sentindo que fosse sempre mais do que a amiga da minha mãe, madrinha de um dos meus irmãos. Parece longe explicando assim, mas é tão próxima que a admiração que sinto é fixa, contínua mesmo que o tempo e alguma distância me impeça de botar os assuntos em dia. Foi a primeira pessoa que me levou a uma livraria bonita e me apresentou vários livros, os quais eu realmente me lembro pouco porque nunca tive fixação nem pertinência com livros. E os filmes, que na verdade, destes não me canso de buscar mais e mais, me lembrar de cada um para conseguir ver todos hoje quando mais coisas fazem sentido na minha vida. Sempre entrava na sua casa com o respeito que tive pela minha, e contemplava cada objeto na parede da melhor forma que conseguia. Bonecos e fotografias incríveis. Talvez, para o resto do mundo nem fosse tudo isso. Todas as figuras femininas antigas pelo banheiro, o crochê espalhado e colorindo tudo, e o som que me fazia conhecer etnias. Eu tinha permissão pra pegar chuva na rua e alagar meu quintal, pra pintar grandes cartolinas pregadas na parede, pra ver quantos filmes quisesse até tarde. Era a tia que me dava os presentes mais parecidos comigo, desde sempre. Chá e café a tarde, ela até me convencia de beber suco e esquecer o refrigerante. Aos poucos ela me viu crescer, e dizia que queria ser como eu quando ela crescesse. Trocadilho que me deixava cada vez mais contente em ter nascido e crescido perto dela. Foi a primeira tia que me ouviu falar de uma garota, e sorrindo disse que seria lindo me ver amando alguém. Me acolheu em sua casa quando mais precisei. E me fez acreditar que eu entraria sim em uma universidade fazendo algo que eu iria gostar muito. Cá estou. Olhando pra trás somente pra agradecer e rir um pouco com o alívio de tudo ter dado tão certo. Um tanto do que sou, veio daquele olhar de quem se abaixa pra falar olhando nos meus olhos de sete anos, levando meu tombo de bicicleta tão a sério e dizendo que eu podia chorar, "estava mesmo sangrando demais". A gente dizia que Tia Aline parecia criança, e era por isso que a gente gostava tanto dela ligando, dizendo que estava chegando pra passar o fim de semana. Mas não é bem assim. O bonito foi ter por perto alguém que levava meus sonhos e minha maneira de ser tão a sério, que não cabia entre nós disparidade de idades. Não há nada melhor do que crescer acreditando que a gente é capaz de mil coisas. E é isso que ela faz. Me ajuda a acreditar de novo e de novo, caso eu esteja sozinha demais ou tudo pareça fora de lugar.
Voltou aquele sorriso tímido que eu media milimetricamente de longe, para considerar que era sim um momento de felicidade. Voltou o 'bom dia' mais legal, as perguntas sobre a vida e a 'boa noite' pedindo o abraço que eu ainda não sei dar. Voltou sem seu violão melodramático, no quintal solitário, porque voltou contente. Voltou sem julgar nada, ninguém, nem mesmo ele. Voltou meio ciumento, mas hoje olha pra mim e vê, porque sabe que há espaço pra ele também. Voltou pra mim e marcou seu território, aqui dentro e pelo mundo, daqueles que, apesar de tudo, eu ainda admiro. Meu pai voltou.
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