Eu tinha uma melhor amiga na época da escola, que na verdade eu não entendia direito o porque ela gostava tanto de mim, já que ela era muito mais legal do que eu. Legal porque ela era diferente, de qualquer amiga que eu já havia tido. Havia chegado na cidade com a mãe, quando eu estava na segunda série. Eu odiava aquela aglomeração na mesa dos novatos então deixava os babões por lá e não saía do meu lugar. Mas ela saiu do lugar dela e me chamou pra ver a escola no intervalo. Ninguém se interessava por minha amizade a tal ponto, então... eu achei legal. Tinha um vestido da turma da mônica, o qual eu nunca veria pendurado em loja alguma daquela cidade minúscula. E falava diferente, com sotaque forte e conhecia muita coisa. Algumas semanas e ela era a mais inteligente da sala, para o ódio mortal da dupla feminina de competição de puxa-saquismo da professora. Não entendi bem, mas ela dizia algo sobre ir embora. E foi. Tanto que acho que perdeu o concurso de poesia, o qual eu participei, consegui derrotar a dupla feminina de competição de puxa-saquismo da professora e diferente de todo mundo que pegava Manuel Bandeira e decorava, eu subi no palco, que parecia gigante e recitei uma poesia minha. Ela ia gostar de saber disso, até porque eu falava do meu irmão em alguns versos. Mas eu sempre fui desapegada de amizades, "elas não duram tanto", eu sentia isso.
Dois anos depois, troquei de escola e a amiga reaparece. Foi engraçado até. Fiquei muito contente, e eu já ouvia boatos de que na sala em que ela estava, a professora já usava o seu nome pra deixar como exemplo. "Façam como a novata.". Ela sempre foi a novata. E imaginei que agora, ela teria outras amizades por estar em outra sala, aquela escola era grande demais. Mas voltando pra casa, a pé, eu percebi que ela andava meio atrás de mim, e resolveu me acompanhar. Foi aí que eu percebi que ela morava na rua de trás. E melhor: ela morava do lado-quase-dentro da fábrica de doces. Onde agora, a mãe dela trabalhava.
Bom, muito bom. Uma amiga, colega que é vizinha também. E a gente tinha crescido, engraçado isso. Ela era a única menina na quinta série que gostava de Fagner. A única que entendia de matemática com tanta facilidade, mas que escrevia de forma impecável. Eu adorava ir até a casa dela, pra estudar e comer doce, claro. Só não curtia muito na época de chuva, quando tinha sapo demais... Mas eu me lembro bem de quando fomos até o almoxarifado lotado de doces e comemos escondido enquanto aguentamos. Quando ela chorou porque tinha perdido média numa prova de ciências e eu realmente não ligava de ter mais aulas e mais provas por mais uma média perdida, afinal eu amava a professora. Quando a mãe dela fez o bolo de aniversário do meu irmão, as inúmeras vezes que eu fui pra escola chorando por brigar com minha mãe e ela sempre do lado... Quando ela foi beijar um garoto pela primeira vez, super empolgada e eu esperando sozinha duas ruas atrás porque ela teria vergonha que eu assistisse. Por mim, tudo bem, se ela me ajudasse a espantar o garoto que mexia comigo todos os dias. Tinha o pavio um pouco curto, e se eu não ligava de brigar com os meninos, ela encarava algumas meninas que eu morria de medo... Fazíamos dança juntas e parecia que era com o intuito de guardar as aulas na memória pra poder gargalhar anos depois, um fiasco nós duas. Ela ia e voltava quantas vezes tinha vontade. Em alguns feriados ela ia visitar a família e eu já pensava que nem deveria voltar. Mas acabava me ligando dias depois dizendo que havia ganhado uma lata de marrom glacê e comentava sobre jogar qualquer coisa com bola na rua dela.
O que eu tinha, eu sabia que era raro, essa coisa de amizade simples e de verdade sempre me deixava feliz a ponto de sorrir vendo as malas prontas. Ela foi pra um lado, eu pra outro. Um dia mandei uma carta dizendo que eu era burra e feia demais na escola nova. Mas tenho quase certeza de que essa carta nunca chegou.
Feliz é a era das redes sociais, enfim. Ás vezes vejo fotos dela pela Europa, com a mãe ou sozinha. De vez em quando ela vem dizer sobre a família e a vida, estudos e tal. E há sempre uma promessa de um dia a gente se encontrar pra colocar o longo histórico em dia. Dá nostalgia, mas da melhor forma possível. Porque foi bom a ponto de fazer bem até hoje. E quer saber? São pouquíssimas as amizades que perduram assim. Aliás, são bem poucas as amizades, de fato.
Comentários