Elas eram minhas amigas. As melhores. Eram irmãs e moravam cinco casas depois da minha, nos fundos. Estudávamos na mesma escola, e sentia uma coisa boa dentro de mim, quando pensava que elas poderiam ser minhas irmãs também. Poliana e Lorrane, as duas com cabelos loiros, uma sempre pensando nos meninos e a outra em brinquedos ou nas notas da escola. Sua professora era mais brava que a minha e ela gostava de andar na linha. A Juliana era a mais velha, e a gente via pouco, mas quando ela me via, me fazia sentar na calçada lá fora pra contar mais um capítulo do caso "Nick", um garoto lindo que ás vezes dava bola pra ela, mas namorava mesmo uma garota da sala dela. A minha casa era grande demais, tinha um quintal enorme, bola, bicicleta, televisão e computador. Mas ir até aquela casa e entrar no portãozinho enferrujado no final do beco e passar correndo pela casa da dona Zu, que elas diziam ser uma bruxa, pra mim era sim o paraíso. E eu preferia ficar lá, no único cômodo que elas dividiam. Um cômodo mais um banheiro. Até que uma conseguisse o aval da mãe de jogar amarelinha na calçada. E era por isso que elas quase não iam a minha casa. Na minha casa haviam meninos. E era muito maior que a delas. Dona Nair era brava demais. E a dona Zu era bruxa, porque contava pra ela tudo de errado que acontecia no quintal pequeno que dividiam. Diziam que tinha gosto em ouvir os gritos das meninas apanhando. Eu não entendia bem o porque bater tanto. Eu também apanhava ás vezes em casa, mas com elas era muito. Então, abria mão e ficava lá com elas. Ia a missa com elas. Catequese, barraquinha, festa junina. E quando a mãe delas chegava da casa da patroa, era bom se as coisas já estivessem limpas, porque ela não brigava. E sentava na beirada de uma cama, pra contar um caso antigo, de uma moça que era empregada na casa de uma família rica, ficou grávida do patrão, e quando percebeu a barriga crescendo tratou de tomar banho, usar todo o perfume que tinha, botar o vestido mais bonito e se enforcar na árvore do quintal. Demorei anos pra entender o porque de se enforcar, só ficava mesmo chocada. Quando ela contava, a gente se assustava mas se sentia bem. Era sinal de que dava pra jogar queimada lá fora.

Alguns anos depois elas se mudaram, e por mais que eu fosse à casa nova delas de bicicleta, as coisas mudaram também. A Juliana ia me ver pra gente tomar vitamina lá em casa, e um dia chegou desesperada contando que não era mais virgem, mas eu devia ficar calada se não a mãe dela matava. Nesse dia ela riu, e contou que o Nick nunca existiu. Claro, entendo. E não preocupa não, também não vou contar pras meninas.

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