Eram três ruas que se seguiam. Cheias de histórias pra contar. Eu subia e descia com tamanho cansaço, já no fim da história delas comigo. E na cabeça, dava pra fazer um recorte fotográfico em linha do tempo, levando em conta as calçadas, os horários, as gargalhadas, gritos, gemidos, sussurros, ameaças e bastante despedidas. Foi ali que tive meu primeiro amor, daqueles que cega a gente e eu só via as três ruas. Subia, descia, quase sempre sozinha, não importava que horas eram. E entre calçadas e postes com luz demais, tive momentos de glória e momentos de dor no escuro, me sentia clandestina e o bairro inteiro, assim me conhecia. Subia feliz, descia chorando, subia chorando descia com os olhos já cerrando de exaustão. Motivos pra viver tudo intensamente demais eu sempre tenho. E se começam intensos, o fim das histórias quase sempre são exatamente assim, arrebatadores. E me deixava levar. Foi lá que ganhei um vizinho amigo, que me trouxe outro amor. Assim, desses que chega devagar, e num momento de oportunidade ganham um espaço enorme dentro da gente, com uma amizade bonita e claro, tudo de mais lindo que aquele rostinho branco pôde e ainda faz por nós. Digo com firmeza que foi ali que cresci de repente. E esse amor fez parte disso, sinto que foi quem me deu a mão pra me levar para um mundo onde tudo é mais seguro e ao mesmo tempo, livre. Inevitavelmente, as coisas mudam, algumas histórias se encerram, outras começam. O que me faz lembrar de tudo isso, é uma cena que se repetia com frequência, e marcava pra mim um ponto de partida. Entre subidas e descidas, tantas vezes com meu rosto vermelho, triste, perdido, havia uma serralheria no meio do caminho. Do lado da porta, um coração pichado no muro. O serralheiro me conhecia mais do que eu mesma imaginava. Em dias de chuva, o senhor me emprestava um guarda chuva preto, dizia que era melhor eu não gripar. Eu voltava da escola, e devolvia. E sempre que eu descia aquela rua sentindo dor no peito, obviamente ele via meus olhos cheios d'água saía da serralheria e dizia que eu estava muito bonita naquele dia. Era só pra eu melhorar o semblante mesmo. E funcionava. Eu agradecia e me sentia melhor. O que ele não fazia de propósito, era usar sempre uma camiseta velha da universidade que estudo hoje. Sempre que eu via aquele nome, repetia comigo, que iria sair dali, crescer um monte e descobrir que além de amores cegos e loucos, a vida tem muito, muito mais a oferecer.
Voltou aquele sorriso tímido que eu media milimetricamente de longe, para considerar que era sim um momento de felicidade. Voltou o 'bom dia' mais legal, as perguntas sobre a vida e a 'boa noite' pedindo o abraço que eu ainda não sei dar. Voltou sem seu violão melodramático, no quintal solitário, porque voltou contente. Voltou sem julgar nada, ninguém, nem mesmo ele. Voltou meio ciumento, mas hoje olha pra mim e vê, porque sabe que há espaço pra ele também. Voltou pra mim e marcou seu território, aqui dentro e pelo mundo, daqueles que, apesar de tudo, eu ainda admiro. Meu pai voltou.
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