O menino Kaisen e o caminho que a vida toma

Descobri que provavelmente ninguém mais virá aqui. Mudei o endereço do blog e, se antes não vinha muita gente, agora serão novas pessoas: as que por acaso encontrar o endereço de não mais uma menina pajarito. Agora, por mais que doa as pernas, a cabeça, as contas no fim do mês, a vida adulta me chama de mulher.

Mas preciso recontar uma história, para os que chegaram agora. Comecei esse blog há nove anos (meu deus! nove anos!) escrevendo sobre todas as angústias e as maravilhas de ser uma menina que sabia que amava outras meninas. Ou uma apenas, naquele tempo. Naquele tempo, tudo era mais mágico - havia tempo para escrever. Ao longo da vida, me perdi em caixas de mudanças, rotinas com a faculdade de design, namoros abusivos, muita dor e uma recuperação digna de silêncio. Silêncio porque se tem uma coisa que me traz paz, é o silêncio calmo, de quem já tem (quase) tudo resolvido. Agora é só esperar.

Me formei sem vontade de transformar o mundo. Foi aí que voltei pra cá. Meu espacinho para ser egoísta e falar o que penso sem saber quem tem o endereço.

Sinto uma falta enorme de escrever. A internet me faz questionar a concordância das minhas frases faladas e escritas. Erro gramática e semântica. Emburreci, de fato.

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Há anos, quando comecei a escrever por aqui, eu já havia lotado cadernos e cadernos. Mas por mais privacidade larguei o analógico. Muito maluco dizer isso, não? Por mais privacidade... na verdade é que meus pais vasculhavam tudo que eu escrevia, tentando entender e talvez provar que eu tinha algo fora de controle, por ser introvertida. Por isso, passei a ter um endereço digital, pra que eles não soubessem de forma alguma como ler.

Nessa ideia de escrever quase todo dia, sem parar, me aproximei de um amigo que escrevia tanto quanto eu. Todo dia, talvez, haveria algum poema. E eu o detestava de início. Existem várias histórias para contar nessa ponte que juntava a antipatia à amizade. Mas assim aconteceu. E trocamos muitos textos e ideias. João nem tinha esse nome ainda quando nos conhecemos.

A vida nos trouxe para a mesma cidade, assim como a maioria dos nossos amigos. Belo Horizonte tinha que ser nosso destino para vida adulta. Ou pelo menos o começo. Eu saí do país, voltei outra Sofia. Confesso que todas as mulheres que me machucaram em términos de namoro me deixaram tão fria e dura... No meu primeiro dia de volta, o interfone tocou. Oi, Sofia? Cheguei! Depois de alguns pronomes não mais femininos usados, fui apresentada ao João.

Hoje, sábado frio em BH, comecei a escanear várias páginas dele. Vamos trabalhar em um livro, zine, impresso, não sei. Depois dos 25, eu penso em trabalho e em dormir. João ainda sonha muito. Mas o que a gente mais quer é conseguir ter uma vida mais digna mesmo.

Essa coisa de escrever pouco, me lembra que leio menos ainda. João, para me inspirar e entender o projeto, me entregou o livro Poética, de Ana Cristina César. Mal comecei e tudo volta à cabeça. O que éramos antes, o que nos tornamos agora. Que saudade de conseguir ser menos dura e burra. Que saudade.

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